QUANDO O ANALÓGICO VIRA AUTOCUIDADO…

Quando o analógico vira autocuidado

Em quantos momentos dedicamos a preciosidade do tempo, dos olhos e dos ouvidos ao supérfluo?

Aos risos que nem graça têm. 

Às tristezas que nem tristes são.

Nesses momentos, percebo a apatia.

O imediatismo de sentimentos, o bombardeio de informações que não permitem sequer, o verdadeiro sentido do sentir.

Quantas vezes nos sentimos esgotados ao fim do dia? 

Sem sabermos que o bombardeio faz com que sintamos esse peso, “incarregável”, mas sentido nos olhos, na cabeça, enfim… no corpo, o cansaço.

Ao abrir as páginas de um livro, ao invés de desbloquear a “black mirror” de meu celular senti, senti algo renascendo em mim. Não era o imediatismo da resposta, mas sim, o meu tempo sendo respeitado pelo pausar do meu olhar em cada nova linha lida. Sem a pressão de um bip a cada virar de página, sem a necessidade de sentir algo pelo que estou lendo… É sobre isso. É sobre a pausa para a vida. Para encararmos nossa vida no tempo que designamos à ela. Sem a pressa exigida pelo tempo de fora. Pensando em nosso tempo, meu tempo.

Em um mundo onde tudo é veloz, digital e conectado o tempo todo, há um movimento silencioso acontecendo: muitas pessoas estão redescobrindo o prazer do papel, da tinta, do toque, do olhar. Sim, o analógico está voltando — mas não como uma rejeição nostálgica do presente. Está voltando no sentido de autocuidado. De si e do outro.

Há quem encontre alívio no som das páginas sendo viradas, no cheiro de um caderno novo, no rabisco lento de uma letra cursiva quase esquecida. Outros cultivam plantas, escrevem cartas, colecionam vinis ou preparam receitas antigas à mão. São práticas simples, quase invisíveis, mas que oferecem algo raro hoje: a presença, o estar presente no momento presente, a desconexão necessária para a conexão consigo.

Nessa era de hiperconexão, o analógico virou refúgio. Um espaço onde o tempo corre mais devagar e onde a ansiedade não encontra terreno fértil. Cuidar de si deixou de ser apenas sobre spas ou retiros — e passou a ser também sobre rituais cotidianos que nos ancoram, coisas simples como a pausa para o momento presente, do despertar, da conexão consigo e, não mais, com uma tela… Sentir quais são as reais necessidades de si, do sentir, do permitir-se, do autoconhecimento… Muitas vezes estamos no automático, realizando ações por impulso… e nossas necessidades? São realmente essas? Sei do medo de descobrir a si, mas sei da importância disso. Então, vamos pausar o momento e transformá-lo em um redescobrir, dentro de imperfeições, de buscas, anseios, sonhos, erros e acertos, isso somos nós, emaranhados de sentimentos… Mas o que então importa nisso tudo? É o sentir, é o identificar… Será mesmo que estou com fome? Isso que sinto é angústia ou ansiedade?

É sobre isso, é sobre identificar em si, o que sinto, o que quero, o que sou…

Desligar-se virou sinônimo de saúde mental. E reencontrar o mundo físico — com suas texturas, cheiros e demoras — tornou-se uma forma de lembrar quem se é, para além das incansáveis notificações.

Voltar ao analógico é, então, um ato de resistência suave. Um lembrete de que, às vezes, o cuidado com a mente começa pelas mãos.

Professoras Doutoras Ana Maria Soek e Emanuelle Milek